domingo, 26 de julho de 2015

Droga de sentimentalismo

É quase como sentir fome, um vazio no estômago, uma sala de cinema em dia de filmes cult. Você é aquele único ser capaz de levantar a bunda da cadeira do computador, ir a um café sozinho e comprar um bilhete para Frances Ha às duas da tarde no cine do subúrbio. E você está dentro da minha barriga me causando intensas dores na alma, escorregando pelas minhas veias e me sugando as energias. Eu devo ter te comido junto com um queijo ralado vencido, droga de sentimentalismo. Eu já me rendi aos livros interativos, eu já li dois ou três clássicos da minha estante, eu já comi meu macarrão bem de vagarinho pra demorar bastante, pra ver se o dia, a semana, essa agonia passa logo. Já acabaram as possibilidades, mas não o seu porre. Eu estou aqui esperando pra ver se vai ou se desocupa a moita. Mas você não vai, está bem preso aqui dentro de mim, brincando de se esconder, bebericando essa café já frio, fugindo da realidade triste que já não pode ser adiada. Então vê se me faz uma última vez, faz bem de vagarinho, vê se finge que vai ficar, vê se demora pra acabar. Já não aguento mais ter de escrever pra me esvaziar.

A calcinha

Mal acabou de pagar em seis vezes no crediário o casaco que agora arrasta no chão sujo dos fundos do bordel, carregando consigo uns restos de batom que ainda lhe restava na boca. Ela não dorme com um homem há mais de três meses, jurou à Nossa Senhora que não faria isso por dinheiro até que seu emprego de garçonete no bordel lhe rendesse uns pães com margarina e leite pra sustentar a família. O homem que tem em casa já não lhe serve de nada, a não ser pra tomar conta da criança que chora e defeca nas noites que a mãe está fora. Ela cheira a suor e cigarro, tem bolsas debaixo dos olhos e o que lhe resta de beleza é aquela baita bunda que cresceu logo depois que perdeu a virgindade com seu primo, aos onze anos. Caminha cerca de quarenta e cinco minutos até chegar em casa quase amanhecendo. Pelo cheiro, percebe que o marido se esqueceu de trocar a fralda da criança e acabou dormindo em cima da garrafa de cachaça e da mamadeira. Tem que recolher as migalhas de pão pelo tapete, desligar a televisão usada e antiga que está passando filme pornô na bandeirantes, trocar a roupa do moleque e colocá-lo pra dormir com ela na cama. Enquanto as lágrimas escorrem pelo rosto, Fátima faz uma prece à padroeira e dá uma boa olhada na faca cega que está perto da pia. Poderia acabar com o estorvo que via caído a sua frente, asqueroso, de cueca suja, bêbado e imprestável. Mas com quem deixaria o bebê, meu Deus? Poderia acabar com o sofrimento do pequeno, com certeza viveria melhor com os anjos no céu. Faltava-lhe coragem. Não lhe passou pela cabeça acabar com a própria vida, não tinha consciência de si mesma já que a vida toda sofreu e morreu. Queimava em seu ventre uma mistura de fome e rancor, um suspiro de vida acendia em seu coração quando via a amante do seu marido, toda carnuda e mais mulher do que ela, entrar pela porta da frente, dizer bom dia e começar a beijá-lo. Fátima sonhava em ser ela. Assistia tudo pela fresta da porta, deixada meio aberta de propósito. Quando tirava a roupa e coloca pra fora aquele tanto de pele suada e macia, Fátima voltava à vida. Amanda tinha um cheiro de perfume vencido, os cabelos despenteados de um jeito perverso, os lábios carnudos e mordidos, uma fada tatuada na canela e uma calcinha de renda, ah a calcinha de renda que aparecia mesmo sob a calça, mesmo diante do esplendor do seu corpo, mesmo caída no chão sujo da sua sala. Aguentou mais uns seis meses e juntou as economias e comprou uma calcinha de renda na promoção, a mais bonita e pequena da loja. Deixou o filho com a cunhada, boa moça, moça de família, podia dar de comer ao menino e talvez não deixar que virasse bandido. Pensou em esfregar a bunda na cara do marido pouco antes da Amanda chegar, assim poderia se passar por ela sem que ninguém desconfiasse e ser feliz por uns dez minutos até o infeliz gozar. Mas era uma calcinha tão bonita, tão bonita e esperada, para se desperdiçar assim com um animal que nunca lhe causou nada. Passou um esmalte vermelho que achou no fundo da gaveta, vestiu a calcinha de renda nova e seu vestido florido por cima, arrumou as malas e saiu. Fechou as portas atrás dela e antes de amanhecer já estava pegando o trem. Agora ela era Amanda, não Amanda de São Paulo, com criança no peito e a amante do marido pra sustentar. Era a nova Amanda de Mauá, bonita, livre, com a mais bela calcinha que já se viu por aquelas bandas, e a vida então passou enfim a acontecer.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

O amor, aquele que é impulsionado no seu cérebro a cada manhã

Lembro de quando eu tinha meus dezesseis anos e tinha um melhor amigo que gostava de mim. Eu não gostava dele ~ foi mal ~ mas com certeza poderíamos ter sido irmãos numa vida passada. Lembro de explicar pra ele sobre o amor, aquele que não chegava nunca na sua vida e que na minha doia tanto. Mas o que a gente sabe com dezesseis, não é? Eu jamais ouviria meus conselhos da época, mas acho que eu conseguia, ao menos, consolar um melhor amigo. E o amor, aquele impulso produzido pelo cérebro quando há um aumento da dopamina, essa que pode ser diminuida com o uso de anti-depressivo, o amor que não tem nada de científico, na minha opinião, que ta mais pra sentimento mesmo, destino, emoção que mexe até com nosso cérebro, esse amor que eu tentava explicar na adolescencia, não tem mesmo explicação. A gente faz tudo errado de novo e de novo, a gente tenta melhorar, estudar, a gente lê Flaubert, tenta anotar tudo no caderninho e depois tomar decisões racionalmente. A gente lembra do conselho, de que uma hora a gente vai saber que ama, porque é uma coisa louca impossível de explicar. E daí vamos nos doar, vamos estudar mais um pouco pra não errar dessa vez, vamos escrever cartas de amor. Mas quando é pra ser, é. Você não precisa entender muito, nem saber o que era mesmo que você estava escrevendo. Você só precisa ler dois textos bonitos, meditar, tomar um banho. E deixa que amanhã você está novinha em folha pra liberar dopamina no seu cérebro quando ele vier falar bom dia de novo.

Nota: não sou nenhuma neurociêntista, posso ter escrito besteira nesse texto.

sexta-feira, 3 de julho de 2015

Coisas de Clarice

Às vezes eu acho que moro dentro da cabeça da Clarice e se você a conhece, vai saber do que estou falando. Hoje foi exatamente como ontem, a não ser pela catástrofe emocional que eu acabei de inventar. Uma palestra de como entender e lidar com um ser humano normal é completamente viável, mas queria mesmo era ouvir Gasparetto palestrando sobre Clarice e eu. Não acho que deveriam me entender, sei lidar com sentimentos de culpa que ressoam na minha mente desde que aprendi que não deveria errar. Posso lidar com mais um monte de hormônio que chegam em bando e se instalam na minha corrente sanguinea uma vez por mês. Posso digitar meia duzia de babozeiras pra uma desconhecida que, inclusive já rastreei até a conta bancária, e amanhã acordar completamente arrependida. Coisas de Clarice. Mas ao invés de pedir socorro, de ligar pra polícia ou pro manicômio, eu apenas me sento quietinha e de madrugada, quando todos que eu posso machucar já estão dormindo, escrevo e a tempestade que se concentra na minha mente se acalma. Um sopro de paz leva tudo pra longe por mais uma noite, por sorte ninguém saiu ferido. Leio, leio mais uma vez pra ter certeza de que tudo está bem e talvez eu volte aqui amanhã quando estiver em ruinas outra vez e leia de novo. Da mesmo forma que ninguém entende Clarice, também não se preocupem em me entender. Aqui no meio desse emaranhado de sensações, só eu mesma consigo me curar.