quinta-feira, 12 de maio de 2016

Carta ao Universo

É manhã. Nove da manhã de um domingo de outono, um pouco frio, as cortinas balançam. Uma brisa sopra o lençol branco que cheira à lavanda, uma fresta de luz o incomoda e o faz acordar. Temos um gato, quem diria. O gato se chama Gato porque foi a referência mais fácil de lembrar quando o adotamos. O gato sobe na cama, ele espirra, reclama por termos um gato, mas logo a raiva passa. Eu estou com os cabelos molhados porque levantei mais cedo pra tomar um banho, logo temos que nos arrumar pra írmos na chácara. Ele tem os mesmos olhos de quando nos conhecemos e quase não engordou. Ele usa roupas alternativas e ainda gosta de rock. Às vezes a gente gosta de acender umas velas e conversar dentro da banheira, e ele me traz flores em dias comuns. Estou grávida. É um menino. Minha barriga ainda não aparece tanto, mas ele diz que vai ensiná-lo a andar de bicicleta. Ele abre os olhos e eu estou do seu lado ouvindo sua respiração. Ele diz que me ama, que sou a mulher da sua vida, que estou ficando com a bunda maior e que ele vai ser um ótimo pai. Ele diz que vai descer lá em baixo pra falar com o porteiro, coisas burocráticas. Ele desce a mão pelo meu ombro, estou de camisola de seda, ele me beija a nuca e vai pra cozinha tomar café. Eu tiro o gato que agora está na cômoda, me olho no espelho e vejo que minha bunda está realmente grande. Meus cabelos são castanhos e estão longos. Eu tenho um diploma de doutorado pendurado na parede e minha casa é pequena, mas limpinha e organizada. Ele não arrumou a cama de novo. Eu reclamei disso ontem, meu Deus. Mas ele bateu a porta do quarto arrastando os chinelos, consegue ouvir? Eu consigo. E me sento na cama e sinto o cheiro dele, olhe só. E preste atenção naquela caixa bem ali no canto, foi um dinossauro de brinquedo que ele comprou pela internet pro nosso bebê. Você consegue ver? É tão paupável. É sim, isso está bem aqui, está acontecendo, eu já ouço a porta bater.