sábado, 4 de junho de 2016

Not your friend

Olha, a gente não precisa mesmo fazer isso, entende? Não precisa me perguntar se estou bem e eu não preciso fingir que me importo. Não me leve a mal, o problema não é você. Sei que parece um clichê de comédia romântica, mas eu juro que é verdade. Eu nem deveria estar me explicando, mas isso também não é problema seu. Estou fazendo isso por mim. Bem, o meu limite é bem pequeno, bem pequeno mesmo. Vamos tentar entendê-lo como o limite de um abraço. Sabe que meus amigos podem me abraçar, eu pareço ser bem fofa, eu abraço minhas amigas quando estou afim. Mas você, você... Não sei nem seu sobrenome. Eu não quero que você rele em mim, que puxe conversa, que beije a minha mão e que faça qualquer comentário sobre minha roupa curta. E eu vou passar por você sem cumprimentar, eu fiz isso hoje mas você não viu. Eu desci do meu carro com o peito em chamas, eu atravessei o mercado em dois minutos, correndo, desviando dos senhores lentos escolhendo a marca do amaciante. Eu estava com os punhos cerrados, eu estava de peito aperto, mas olhando pra baixo e então eu te vi. E sabe o que eu fiz? Eu apertei mais os punhos e eu andei mais rápido. Você não é meu amigo, ok? Eu não preciso te falar oi, só por respeito, sabe? Só se eu esbarrar em você. É o que eu faço com todo mundo, eu falo oi pra quem eu não gosto. Não é que eu não goste de você, mas é muito desconfortável quando tiram você da sua zona de conforto. Hoje eu tinha planejado ficar em casa sozinha, vendo uns vinte e cinco episódios da minha série preferida, chorar um pouco só pra não perder a oportunidade, ficar enrolada no cobertor porque está bem frio aqui. Mas eu tive que sair de casa e eu não gostei do que eu vi. Eu tive que me manter de cabeça baixa e punhos cerrados. Eu vou mudar tudo isso depois deu um banho quente e um bom vinho, eu vou superar tudo, vai passar e ficar bem. Só que com você eu não quero ter de me preocupar, pra você eu não vou abaixar a cabeça, não vou hesitar. Então se você puder entender, se você me ajudar. Se ficar bem longe e se comportar como um completo desconhecido que é, então talvez você saia do meu caminho e me deixe sozinha com meus ploblemas. Se você me deixar em paz, então vou ter mais tempo pra poder me curar, levantar a cabeça pra quem realmente importa, pra que já ultrapassou esse limite, sabe? O limite do abraço. Pra quem já chegou onde eu realmente estou frágil, de peito aberto, de coração na mesa.
Então saia, saia da minha frente.

quarta-feira, 1 de junho de 2016

Ela fica tão linda quando está com raiva

Você gostaria de beijá-la em cima da mesa de sinuca. O que estaria fazendo aqui uma moça como ela, nesse lugar cheio de bêbados suados? Exeto eu, claro. Você iria pensar em beijá-la se a visse por aqui, aposto que os outros estão pensando nisso também. É que ela parece um bibelô, suas feições não condizem com esse lugar. Exeto quando ela começa a jogar sinuca com o Mané e o Dito. Ela se inclina o suficiente pra que você possa ver uma tatuagem em seu quadril. Uma rosa, não parece ser uma tatuagem recente, talvez tenha feito há uns seis ou oito meses. Ela está arrebentando, dando um trabalhão danado pros caras, mas não me atrevo a chegar perto. A questão é que eu a beijaria em cima da mesa de sinuca. Eu a convidaria pra tomar um vinho, mas na minha mente ela diria que prefere cerveja. Tem os cabelos enrolados, pintados de vermelho desbotado, um perfume noturno, uma gargantilha dourada. Então eu a beijo no pescoço e nos ombros. Ela passa uma perna por cima da minha cintura, ela está quente e ruboriza de calor. Acredite se quiser, você se ajoelharia e imploraria pra levá-la pra casa. Ela não dirá seu nome. Mas o seu olhar vai bater nos olhos dela e voltar pra você, assim como qualquer ódio que alguma mulher veio a sentir por ela. Ela te olha com certo desdém, você poderia achar, mas o real motivo é que ela não precisa, nem por um segundo, de qualquer uma das suas desprezíveis opiniões.
Estamos só nós cinco. O dono do lugar, Mané, Dito, a bela moça e eu. Ela se aproxima do balcão que eu estou, pra pagar a conta. Ela está bem próxima agora, há dois ou três passos-de-salto-agulha-vermelho. E então ela vai embora, passando por mim como se eu nem estivesse ali, já tem dois anos e duas semanas, desde que ela me mandou arrumar as malas e sair de casa.